À frente da pasta, ministro Ricardo Salles vem fazendo alterações em regras de fiscalização e em postos-chave da administração da área
Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br (adaptado)
Ameaçado de extinção no início do governo de Jair Bolsonaro, o Ministério do Meio Ambiente não só foi mantido, como angariou a inédita simpatia do setor do agronegócio, gerando críticas de ambientalistas. Além de alterações em mecanismos para fiscalização e aplicação de multas, postos-chave foram ocupados por agentes alinhados à nova política da área. Desde o início do ano, o comando do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) trocou de mãos, assim como 21 superintendências estaduais. A direção do Instituto Chico Mendes (ICMBio) foi demitida e os cargos oferecidos para policiais militares. Na cúpula da pasta, há pelo menos 15 funções ainda vagas, sete meses após o início da gestão.
Sob o manto do enfrentamento ao “arcabouço ideológico” do setor ambiental, o ministro Ricardo Salles, amparado pelo Palácio do Planalto, redesenhou setores focados em mudanças climáticas e extrativismo. Entre os oito assessores especiais da pasta, quatro são militares, assim como o chefe de gabinete e o ouvidor.
Ruralistas também passaram a ter mais espaço nas decisões, inclusive avalizando o nome de Salles para a cadeira de ministro. Apesar de ser do partido Novo, o advogado de 43 anos se aproximou de Bolsonaro ainda durante a campanha. Líder do Movimento Endireita Brasil, passou a frequentar os mesmos círculos de integrantes da Sociedade Ruralista Brasileira e da União Democrática Ruralista (UDR).
Salles foi percebido pelo então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), de quem foi secretário do Meio Ambiente entre os anos de 2016 e 2017. Se afastou do ex-governador quando entrou no Novo e foi candidato, no ano passado, a deputado federal. Seu material de campanha foi alvo de críticas por defender a “tolerância zero” e uso de armas “contra a esquerda e o MST”, “a bandidagem no campo” e “a praga do javali”. Não se elegeu.
— Os ruralistas estão sendo ouvidos. O ministro aceita o diálogo, discute. Antes era uma dificuldade. Hoje está todo mundo contente — comenta um representante do agronegócio.
Uma das principais mudanças na política ambiental do governo foi o deslocamento do Serviço Florestal Brasileiro, responsável por avaliar as concessões de áreas florestais, para o Ministério da Agricultura. O comando ficou com o ex-deputado Valdir Colatto (MDB-SC), um dos principais críticos do Código Florestal.
A influência do agronegócio no Ministério do Meio Ambiente levou o governo a prometer regras mais brandas para a atuação de fiscais do Ibama. Ao fiscalizarem uma área de preservação em Rondônia, servidores aplicaram o que está previsto em um decreto de 2008, ao incendiarem caminhões e tratores utilizados para o transporte ilegal de madeira. A ação é permitida para evitar a continuidade da infração e para proteger os agentes. Ao saber do caso, o governador do Estado, Coronel Marcos Rocha (PSL), entrou em contato com Salles, que prometeu providências. Bolsonaro chegou a gravar uma mensagem criticando a intervenção do Ibama.
Indicações para cargos estratégicos vinculados ao ministério também contam com a mão do agronegócio. Um caso no Rio Grande do Sul tomou repercussão nacional e chamou a atenção do Ministério Público Federal (MPF). A instituição questionou a nomeação da agrônoma Maira Santos de Souza para a chefia do Parque Nacional da Lagoa do Peixe, unidade de conservação localizada no sul do Estado. Maira foi indicada pelo deputado federal e presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Alceu Moreira (MDB-RS), e contou com o aval do Sindicato Rural de Mostardas.
O ICMBio é o responsável pelas unidades de conservação no país. Em abril, o então presidente do Instituto, Adalberto Eberhart, pediu demissão depois que Salles ordenou abertura de processo administrativo contra servidores que teriam faltado a uma reunião. Dias depois, o então chefe do parque gaúcho e servidor do ICMBio, Fernando Weber, foi exonerado da função pelo ministério. Em seguida, três diretores do órgão pediram para deixar seus cargos.
Unidades de conservação estão entre os pontos de atenção da nova política ambiental do ministério. Um grupo de trabalho foi formado para avaliar a adoção de regras menos restritas para esse tipo de área, liberando a construção de estradas e ferrovias, por exemplo. O governo avalia a apresentação de um projeto de lei para facilitar obras de infraestrutura em, ao menos, 67 territórios (atualmente, o país conta com 334). Ao mesmo tempo, há estudos para avaliar se há a possibilidade de reduzir as restrições em unidades de conservação, permitindo o plantio e a criação de animais em locais onde hoje as práticas são proibidas.
— Salles e (a ministra da Agricultura) Tereza Cristina estabeleceram que as políticas ambientais e do agronegócio andarão juntas. Não são antagônicas — sustenta Moreira.
Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não atendeu ao pedido de entrevista. Questionada se outro servidor poderia falar com GaúchaZH, a assessoria da pasta informou que a determinação é de que apenas o ministro fale com a imprensa.
As polêmicas ambientais de Bolsonaro
Tamoios
Jair Bolsonaro quer transformar a região de Paraty e Angra dos Reis, no litoral sul fluminense, em uma “Cancún brasileira”, defendendo regras mais brandas para a Estação Ecológica de Tamoios para permitir a visitação de turistas, hoje proibida. Foi nesse local onde, em janeiro de 2012, o presidente foi flagrado com uma vara de pescar e multado por um fiscal do Ibama. Ele nega que estava no local. O servidor foi exonerado do cargo de chefia que ocupava no órgão este ano.
Fernando de Noronha
O presidente afirmou, há duas semanas, que a taxa para preservação ambiental cobrado de visitantes de Fernando de Noronha é “um roubo”. Atualmente, turistas pagam duas taxas: uma estadual (R$ 73,52 — por dia), e outra para acesso ao Parque Nacional Marinho (brasileiros: R$ 106, estrangeiros: R$ 212 — válida por 10 dias). O ministro Ricardo Salles avalia flexibilizar as regras para pesca de sardinha e para voos noturnos no arquipélago.
Multas
Bolsonaro atacou o que considera a “indústria das multas”. Um decreto determinou a possibilidade de conciliação, prevendo descontos e até a anulação das sanções. Regras para a destruição por fiscais de veículos usados em crimes ambientais deverão ser revistas. Neste ano, o Ibama ainda passou a anunciar os locais onde serão realizadas ações de fiscalização na Amazônia.
Conselho
Um decreto reduziu o número de integrantes do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) de 96 para 23, com aumento da representatividade do governo. Entidades ambientais garantem assento a partir de sorteio.
Fundo Amazônia
Criado há 11 anos, é composto de aportes internacionais para a conservação da Amazônia. Além de questionar entidades que utilizam os recursos, o ministro Ricardo Salles já sugeriu que os valores possam ser utilizados para pagar indenizações para proprietários de terras. Alemanha e Noruega, principais financiadores do Fundo, já criticaram a política do governo voltada ao combate do desmatamento.