Egbert Bialk gosta de assistir à enorme retroescavadeira em ação. Pedaço a pedaço, ela vai destruindo a torre de resfriamento da usina nuclear de Mülheim-Kärlich. Bialk lutou contra essa usina desde que ela foi construída na sua terra natal, nos anos 1970.
Hoje ele faz parte da diretoria local da organização ambientalista Bund e acompanha satisfeito a destruição. “Fico feliz por essa vergonha finalmente desaparecer”, comenta. “Algumas pessoas não tinham nada contra ela permanecer como monumento ou obra de arte, mas, para mim, é um símbolo da arrogância de pessoas que brincam com o fogo.”
O desmantelamento da usina nuclear, que vai custar 1 bilhão de euros, começou em 2004, bem antes de o governo da chanceler federal Angela Merkel se decidir pelo fim da energia nuclear na Alemanha, em reação à tragédia de Fukushima, em 2011.
As unidades mais antigas foram retiradas imediatamente da rede. Até o fim de 2022, as sete usinas restantes deverão ser desligadas. Mas mesmo depois de essa hora chegar, a Alemanha continuará se ocupando de sua herança nuclear. Todas as usinas nucleares deverão ser completamente desmontadas, os terrenos, reutilizados por indústrias, e o lixo radiativo, depositado.
Mas como é a demolição de uma usina nuclear?
Parte a parte. O primeiro passo é a retirada do elemento essencial: o combustível altamente radiativo. Como a Alemanha ainda não tem um local para o armazenamento final de resíduos radiativos, eles são colocados provisoriamente em contêineres do tipo castor.
Até 2031, a Sociedade Alemã para o Armazenamento Final (BGE) deverá se decidir por uma localização apropriada, onde ela deverá construir um depósito final até 2050.
Até o fim completo da energia nuclear na Alemanha, cerca de 1.900 desses contêineres especiais serão necessários. Eles terão que ser levados dos depósitos provisórios para o definitivo, o que é um processo que levará 50 anos, pelos cálculos da BGE. Assim, se todas as previsões se confirmarem, o depósito final poderá ser lacrado em 2100.
O custo de todo esse processo ainda não está claro. Muita coisa vai depender da localização do depósito. Mas uma análise nos números do depósito final para lixos de baixa ou média radiatividade pode dar uma ideia. Segundo a BGE, a antiga mina de minério de ferro Schacht Konrad está sendo adaptada por cerca de 4,2 bilhões de euros. A partir de 2027, os primeiros dejetos – aparelhos eletrônicos e pedaços de construções que foram submetidos a anos de radiação – deverão ser depositados.
Depois disso, o depósito final Konrad será preenchido com cimento e lacrado. “Lacrado significa que não haverá mais risco para o meio ambiente”, comenta Monika Hotopp, da BGE. Porém, organizações ambientalistas alertam que dejetos radiativos podem continuar oferecendo riscos mesmo quando enterrados. “Os depósitos finais devem reter as radiações por até 500 mil anos”, explica Bialk. “Estamos deixando uma bomba-relógio para as futuras gerações.”
Mas o que acontece com o restante dos dejetos, com as toneladas de metal, cimento, canos e outros materiais de construção que são liberados com a destruição de uma usina nuclear?
A legislação alemã considera que todas as instalações de uma usina nuclear, incluindo os escritórios e refeitórios, são, a priori, radiativas. Por isso, os operadores devem primeiramente medir a radiatividade e liberar cada pedaço antes de mandá-lo para depósitos comuns ou centros de reciclagem. Isso significa que cada pedaço da demolição deve ter sua radiatividade medida, e esta deve estar dentro do limite legal permitido.
Organizações ambientalistas e moradores das proximidades criticam esse procedimento. Eles argumentam que ninguém pode saber o que acontece com um material depois que ele é reciclado. Cimento de usinas nucleares pode virar asfalto em rodovias, metais fundidos podem virar frigideiras e panelas. “Metais fundidos podem acabar em aparelhos dentários de crianças, que podem ser radiativos e ninguém sabe. É necessário que as pessoas tenham como acompanhar o que aconteceu com o material da demolição de usinas nucleares”, afirma Bialk.
Especialistas em energia nuclear consideram essas preocupações um exagero. “Esse risco é mínimo. O limite para liberar o material equivale à radioatividade existente no meio ambiente”, assegura o especialista Christian Küppers, do centro privado de pesquisas Öko-Institut. Segundo ele, o limite para liberar material de demolição de usinas nucleares é de 0,01 milisievert por ano. A exposição à radiação natural na Alemanha é de 2,1 milisieverts por ano. Segundo o Öko-Institut, quem atravessa o oceano num avião fica exposto a uma radiação entre 0,04 e 0,11 milisieverts.
O objetivo final do desmantelamento de uma usina nuclear é um terreno limpo. Quando todos os prédios forem postos abaixo, todos os resíduos forem eliminados ou depositados, e a medição da radiatividade estiver concluída e esta estiver dentro dos limites, o terreno poderá ser vendido para a construção de uma fábrica.
Até mesmo a superfície do depósito final Konrad pode ser um terreno assim depois que todos os dejetos radiativos estiverem enterrados e cimentados e o local, lacrado. Segundo a BGE, o terreno seria seguro o suficiente para morar nele.
Se alguém quer morar num lugar como esse é outra história. Afinal, energia nuclear continuará sendo um sinônimo de perigo. Para Bialk, isso vale também para a herança nuclear que ficará mesmo depois que todas as usinas nucleares da Alemanha forem desativadas,e os dejetos, lacrados num depósito final.
“O lixo radiativo oferece riscos durante centenas de milhares de anos.” Mesmo assim, outros países continuam apostando na energia nuclear. Ao lado da Alemanha, na França, há mais de 50 usinas. “Se algo acontecer numa delas, todos nós seremos afetados”, diz Bialk.
Fonte: Deutsche Welle e Ambiente Brasil